quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Produção de conhecimento: uma técnica* por Profª Maria Cristina Sparano**

Texto publicado no Informe Econômico , uma publicação do Curso de Economia/UFPI, Ano 11/Nº 23, FEV-MAR-ABR/2010.

O fundamento da experiência de trabalho

Uma da exigências, tanto da graduação em Filosofia como da pós-graduação é a produção de um artigo, um ensaio, um paper de conclusão das atividades didáticas, no qual os alunos devem confeccionar um texto com definição clara do tema tratado, honestidade de referências, articulação apropiada de ideias.

Para a concretização desta tarefa, o problema que o professor enfrenta resume-se a uma pergunta inicial: pode-se ensinar a refletir? E, além disso, pode-se ensinar a escrever aquilo que se pensa e quer, realizando na produção um salto qualitativo que vai da simples associação de ideias, da expressão de emoções para um trabalho objetivo onde aquele que lê ou escuta realmente possa tirar proveito do exposto, isto é, aprender?

Do ponto de vista pedagógico, as vantagens do trabalho de iniciação filosófica para o professor culminaram com a apropriação de duas características do pensamento, à primeira vista muito diferentes e até excludentes: o pensamento abstrato e o concreto, tais quais o pensar - problematizar, elaborar conceitos e argumentar- e o ler e escrever- confrontar opiniões, teses, e concluir com palavras, frases, num discurso coerente, ou seja, racional, apropriado à comunidade dos falantes à qual se dirige o discurso.

Poderíamos aqui levantar algumas premissas importantes da fundamentação deste trabalho prático-teórico, como a de educar uma geração de alunos com excessiva influência da cultura visual. À primeira vista isso pode parecer irrelevante, mas é sabido que o modelo de educação atual tem produzidos poucos efeitos na busca de resultados. O processo convencional de educação está em xeque devido às dificuldades de ajustar a estratégia pedagógica a este novo tipo de estudante que chega às instituições. Mas trata-se verdadeiramente de ajustar, adaptar modelos ou de propor novas estratégias que valorizem a linguagem verbal e escrita não apenas como reflexo do mundo que vemos? Não seria oportuno de tratar de dizer como o vemos, com categorias da racionalidade? Essa é a forma privilegiada da ciência na descrição da realidade: dizer como o mundo é.

Na sociedade atual, oferecer meios de compreender o universo dos falantes é forma prática de "aparelhar" os estudantes para os desafios cotidianos e àqueles de sua futura vida profissional. No processo de trabalho, isso toma a forma de julgamento e de escolha: de textos, de frases, de discursos. Muitas vezes, esta estratégia crítica não é recomendável, dada as ideologias dominantes e seu poder de sedução. Podemos até mesmo dizer que nos dias atuais ela é esmagadora, tal é o poder da mídia e do apelo da imagens. Diante da cultura visual, televisão, outdoors, vitrines, o jovem estudante tem uma dificuldade enorme para o raciocínio abstrato decorrente da leitura, o que comporta uma decodificação menos estimulante e, além da decodificação, dificuldade na atribuição de significados, uma vez que isso já seria uma reconstrução linguística sua.

Perguntamo-nos, então, como suplantar o formato convencional de cisão entre teoria e prática, desenvolvendo a especulação, tão importante na constituição dos saberes, e oferecer condições de pensar sobre as ideias e não apenas sobre fatos. Imaginar soluções toca no princípio mesmo da criação. Sabemos que as ciências positivas, tão em voga no final do século XIX, estabelecidas sobre o mensurável e o experimetável, não são mais tão hegemônicas assim. A avaliação quantitativa foi substituída pela qualitativa, e o processo experimentável, pelo de verificação das premissas que conduziram os experimentos. Assim, o corpo docente tem uma tarefa importante associada a esses objetivos: são responsáveis por desenvolver uma articulação com o objetivo final da produção do texto, estimulando uma visão abrangente e contextualizada.

O ensino fundamental e médio deveria atender os alunos na produção de conhecimento; já processá-los e torná-los abstratos, dando-lhes forma, é o objetivo dessa proposta de trabalho. Para tanto, é aconselhável aproveitar uma característica que os alunos têm de sobra, o raciocínio indutivo. Ao iniciarem a pesquisa, todas as iniciativas são válidas, desde a realização de simples resenhas até o mero levantamento bibliográfico, porém, sempre seguindo o processo de especulação de cada um, até o momento de produzirem justificativas e avaliações sobre o tema pesquisado. Os conceitos são assim apresentados e compreendidos desde que trabalhados na pesquisa. Com isso, busca-se esmero e solidez na formação, assim como a habilidade no uso da linguagem o que produz profissionais com clarea de definições.

A técnica - technè

A origem do termo retoma à filosofia grega, na qual as ideias de belo e bem encontravam materialização na ideia da obra de arte. Para Aristóteles, toda arte tem como característica fazer nascer uma obra buscando os meios técnicos teóricos para criar uma coisa nova, isto é, algo da ordem da categoria do possível, cujo princípio reside na pessoa que a executa e não na obra executada.

A técnica, ela mesma, não é um verdadeiro saber. O verdadeiro artesão não precisa compreender o que faz. Ele deve se contentar em aplicar o que lhe ensinaram. Sua técnica repousa sobre a fidelidade, sobre a confiança na tradição dos saberes, pois está situada entre o conhecimento e a technè, o acaso e o outro. Ele se submete, imita, tateia como um cego, para fazer profissão com a matéria sobre a qual se debruça. O tempo de realização técnica não é uma realidade estável, unificada homogênea; é um tempo ágil de oportunidades. O artesão deve apreciar e julgar o momento em que a situação está madura e jamais abandonar seu trabalho, aconselha Platão.

A obra que um artesão produz não é um objeto natural, assim como não é sua técnica, pois, finalmente, obedece a uma finalidade inteligente; Aristóteles diria, sua causa final. Ela visa no entanto, um efeito, produzir um eidos que pode ser uma casa ou a saúde, por exemplo. A produção supõe, então, uma dinamis da qual a technè é um modo de emprego.

Heidegger coloca uma questão importante quando fala da criação e do trabalho artesanal: no que a criação se diferencia da produção e da fabricação? Como tirar a criação do seu aspecto artesanal? Para Heidegger, a technè, tal como nos ensinaram os gregos, não significa trabalho artesanal, nem artístico, nem técnica no sentido moderno do termo. É um modo de saber, um saber na produção, a eclosão de um aspecto. Saber é ter visto; o que chamamos conhecimento, apreender a presença do presente em termos heideggerianos.

Neste sentido, a produção de um texto bem formado, isto é, bem lido, é obra de um sujeito com seu modo particular de aprender e expressar-se. Que se produzam casas, sapatos, textos ou flautas, há uma bem definida para a qual responde o produto. É a forma que orienta e dirige o trabalho, fixando seus limites e definindo seu contexto. O artesão criador não comanda a natureza ele simplesmente se submete às exigências da forma e se entrega ao trabalho.

Para os alunos, o trabalho formal de produção de um texto deve demonstrar a conduta da reflexão sobre a experiência vivida ou literária, o que pode servi de ponto de partida para uma reflexão original, cuja construção confrontando julgamentos, experiências, outros relatos, poderá levar à compreensão e interpretação da realidade profissional e pessoal.

*Este texto é o resultado de um trabalho realizado com alunos do curso de Psicologia das Faculdades D. Bosco em Curitiba-Pr e, atualmente, com alunos de Iniciação Científica e da disciplina de Iniciação Filisófica do cursos de Filosofia da UFPI.

** Professora do Departamento de Filosofia e do Mestrado em Ética e Epistemologia da UFPI. Doutora em Filosofia/PUC-RS e em Filosofia da Linguagem/Universite de Montréal.

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